É comum quando pensa-se "Iluminismo", imaginar um evento em que grandes homens letrados e pensadores desenvolveram ideias que alavancaram as Revoluções ao redor do globo que destruíram o "Antigo Regime" tirânico e introduziram para o mundo o uso da razão e o pensamento esclarecido, no lugar de um passado ignorante e obscuro. Mas será que realmente é assim? Será que ele se resume a esses homens e suas ideias? Ele é homogêneo ou heterogêneo? Como os historiadores pensam sobre o Iluminismo hoje? (Para esse problema asseguramos que não há consensos).
Geralmente aprende-se que o Iluminismo foi um fenômeno das elites intelectuais europeias, especialmente a francesa, que teriam ideias de progresso com objetivos voltadas à ascensão de um nova classe social chamada burguesia, que a partir das revoluções que destronaram os reis absolutistas, instituíram o liberalismo burguês como forma de governo, iniciando no mundo um novo século de progresso e pensamento racional. Contudo, essa definição tende a reduzir o tema, que é cheio de contradições, interpretações e complexidades.
O filósofo Immanuel Kant, criador do conceito "Iluminismo", em resposta à pergunta: Que é o Iluminismo? Debate sobre a ideia de "esclarecimento" (aufklärung), que seria a saída dos seres humanos de uma condição de menoridade que se auto colocaram, fazendo uso público da razão para sair de tal condição. Kant alerta que o Iluminismo não é um pensador do "mundo privado", isto é, solitário, mas inserido no mundo letrado. Interpretações atuais equivocadas de Kant veem essa menoridade como uma busca pelo conhecimento irrestrito que libertaria o homem das algemas da ignorância, proporcionando uma leitura caricata do próprio filósofo e do esclarecimento. Ler Kant com mais atenção nos ajuda a entender melhor o passado e os debates atuais sobre o Iluminismo.
Retornando ao tema, por muito tempo falou-se em um Iluminismo como um fenômeno que ocorre (ou não) em diversos lugares: Iluminismo francês, Iluminismo inglês, Iluminismo brasileiro, Iluminismo alemão, Iluminismo etc; constituindo um verdadeiro problema, visto que é comum alguns tentarem achar um ponto, seja geográfico, seja de temporal, para marcar a origem determinados eventos. Diferentes historiadores têm diferentes definições para o tema do Iluminismo e suas consequências. Desta maneira, o fenômeno é então, na verdade, um movimento amplo, complexo e multifacetado. Portanto, o Iluminismo seria, pois, Iluminismos.
O historiador estadunidense Robert Darnton concebe o fenômeno "como um movimento, uma causa, uma campanha para mudar as mentes e reformar as instituições" que "pode ser situado no tempo e circunscrito no espaço: Paris na primeira parte do século XVIII". Enquanto que Vincenzo Ferrone, historiador italiano, vê o Iluminismo como um conceito centauro: assim como o centauro da mitologia grega, o Iluminismo seria uma coisa e outra ao mesmo tempo, sendo um conceito tanto histórico quanto filosófico.
Outras definições também dialogam com outros temas importantes da história como a Reforma Protestante. O historiador britânico John Pocock define Iluminismo como: " uma família de programas políticos e intelectuais que toma forma em diversos países da Europa Ocidental entre 1650-1700 com a intenção compartilhada mas diversa de acabar com as guerras de religião", ou seja, para Pocock, o Iluminismo tem um grande papel de criar a ideia de tolerância, permitindo o arrefecimento dos conflitos causados pelas reformas religiosas que ocorreram na Europa naquele período, apontando consequências para os pensamentos iluministas.
Ainda sobre as "consequências" do Iluminismo, há a discussão se ele germinou (ou não) as ideias para o imperialismo do século XIX e XX, tendo em vista que o conceito de "progresso versus selvageria rumo à civilização" foram formulados pelos pensadores de então, mas também, por outro lado, havia discordâncias entre os filósofos iluministas se as civilizações indianas, chinesas ou islâmicas - para colocar alguns exemplos - poderiam entrar na ideia geral de progresso, ou não.
Ou seja, não havia um pensamento único que marcava o modo de filosofia da época, e não há um pensamento único, em consenso, do que essa filosofia da época causou/influenciou. Havia, sim, eurocentrismos, racismos, misoginia - apesar de haver mulheres iluministas que lutavam contra esse estigma, tal como Mary Wollstonecraft, para citar um exemplo - , e outros tantos preconceitos nas ideias de muitos. Mas generalizar esses preconceitos para todos os filósofos e filósofas, seria, em algum nível injusto.
Tentar definir o iluminismo, assim como tentar achar qualquer outra definição geral, é tirar suas especificidades e pluralidades. Daniel Gomes de Carvalho, professor de História Moderna na Universidade de São Paulo (USP), diz que "os iluminismos" são movimentos que não possuem programa único, e suas heranças nos tempos de hoje são muitas e contraditórias.
Observa-se, então, que o Iluminismo é, na realidade, um movimento plural e ambíguo, um conceito heterogêneo. Atualmente esse tema envolve muitas paixões, especialmente políticas e ideológicas, mobilizando discursos ora negativos e ora positivos sobre esse assunto. Um ponto importante na História é: não há uma única perspectiva sobre o passado. Isso porque, em primeiro lugar, é impossível reconstruir o passado, ele não está pronto e acabado como uma sequência de fatos e datas para os historiadores. Segundo Durval Muniz, o historiador, tal qual um artesão que junta seus materiais e constrói seu objeto, junta os "estilhaços do passado" e constrói sua narrativa. Portanto, não seria cabível uma verdade universal em linha progressiva de uma única história, mas de várias que compõem tempos e espaços distintos que se interligam ou não.
Nesse sentido, tentamos não colocar uma leitura do que seria, incontestavelmente, o evento que ganhou o nome "Iluminismo", nem muito menos advogar em favor de uma ou outra interpretação, mas sim mostrar que o termo é amplo, complexo, aberto para estudos e debates, com diferentes leituras dependendo de quem escreve sobre. Esperamos que a leitura do texto tenha ajudado o leitor a expandir sua ideia de "Iluminismo", que geralmente é passado como uma coisa única, ou de forma muito resumida, e que o tenha instigado a buscar outros estudos e aprofundar-se no tema, através de outros olhares.
Rayddam Reis Gurita - Estudante de graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Ricardo Andre - Estudante de graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Tainã Beber - Estudante de graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Wellinver Gonçalves Cardoso - Estudante de graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. É Membro do LAOP-Núcleo UFMG (Laboratório do Antigo Oriente Próximo-UFMG) e NEB (Núcleo de Egiptologia Brasileira).
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O tecelão dos tempos: o historiador como artesão das temporalidades. In: ____. O tecelão dos tempos (novos ensaios de teoria da história). São Paulo: Intermeios, 2019. p. 27-39.
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HISTÓRIA FM 160: Iluminismo: o que você precisa saber para entender. Entrevistador: Icles Rodrigues. Entrevistado: Daniel Gomes de Carvalho. [s.l.] Leitura ObrigaHISTÓRIA, 26 fev. 2024. Podcast. Disponível em: https://leituraobrigahistoria.com/podcast/iluminismo-o-que-voce-precisa-saber-para-entender/. Acesso em: jun.-jul. de 2025.
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